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A CASA

Luisa -

 

Da janela lateral do quarto de dormir
Vejo uma igreja, um sinal de glória
Vejo um muro branco e um voo pássaro
Vejo uma grade, um velho sinal...”

Num tom afinado e voz doce, no seu Sportage cor beringela modelo 96’, ela cantava essa música enquanto nos levava da escola para casa, num fim de tarde já escurecido e frio típico de meia estação.

As luzes amareladas dos abajures, o verde do mato e o cheiro de bolo de chocolate recém-saído do forno nos recebiam ao chegar em casa. Não havia nenhuma dúvida: esse era o melhor momento do dia.

Do restinho de dia que ainda nos sobrava, colocávamos roupas confortáveis e saíamos para desbravar o “sítio”. Nesses anoiteceres, era comum presenciarmos o nascimento de bezerrinhos ou cavalinhos – esperados em silêncio e com frio na barriga. Lembro de todos ao redor daquele animal esperando a vida chegar. Era uma aventura e tanto para duas meninas de pouca idade. E quando dávamos sorte, ainda podíamos ajudar a amamentar o bichinho.

Essa é uma das boas lembranças que guardo da infância. O chegar em casa era um alívio, um respiro de liberdade. Era um abraço confortável de uma casa bem arrumada, gostosa e sem frescura. Ali éramos nós, nas nossas versões mais puras, aprendendo a viver, a respeitar, a compartilhar. Éramos felizes e sabíamos disso.

Dias atrás, enquanto eu tentava convencer carinhosamente minhas filhas a entrarem na escola, sorri meio torto para a diretora enquanto ela passava por nós. Num tom levemente desesperado sussurrei para ela: “as meninas ainda estão com dificuldade de querer vir para a escola, pedem para ficar em casa”. Ela sabiamente respondeu: “Que bom! Estranho é se fosse o contrário!”. Logo lembrei da minha mãe nos trazendo da escola. Logo lembrei que hoje eu sou essa mãe que está criando essas memórias. Logo lembrei que casa é mesmo destino, é refúgio, é amor, e minhas filhas ainda tão pequenas já entenderam isso.

 

A forma como encaramos nossa casa muda tudo. Ela pode ser só um lugar que habitamos, ou pode ser muito mais que isso. São nas sutilezas que criamos casas que abraçam e viram palco das nossas vidas, não apenas cenário. É no abajur aceso, no capricho ao arrumar a mesa para o dia a dia, no cheiro de comida recém preparada, no cuidado ao desamassar o sofá. São nessas sutilezas que nossas memórias se abrigam e desejam sempre para voltar para casa ao final do dia.